30 de novembro de 2014

¡Gracias, Chespirito!


Na semana passada eu estava em Medellín, Colômbia, com mais três amigos. Visitávamos o Parque Explora, que tem diversas experiências físicas, entre elas algumas de eletrostática que nos permitiam "passar" corrente elétrica de um para o outro. Vendo o efeito da peça no museu, logo falei "não vou ficar perto de vocês senão vamos ficar igual ao episódio do Chaves em que eles tentam ouvir o jogo de futebol na TV quebrada".

Uns dois dias depois, postei no Instagram a foto de uma limonada de coco - bebida típica da Colômbia -, e uma amiga comentou "hein? Limonada do Chaves? Tem cheiro de limão, cor de leite e sabor de coco...?". No último dia de viagem, meu amigo falou que "O Juan Valdez é o café do Seu Madruga" por causa da semelhança entre a logo do café e o personagem.

Chaves e Chapolin são assim: uma simplicidade tão grande que se incorpora ao cotidiano, se transforma em expressão comum no dia a dia e se faz presente mesmo que fiquemos muito tempo sem assistir. Eu costumo dizer que o Chaves tem sobre mim o efeito "Polishop": se eu zapear os canais da televisão e estiver passando Chaves, eu vou parar para assistir. E mesmo sabendo o desfecho de todas as cenas, vou rir de cada uma delas.
Comentei sobre o Hector Bonilla no trabalho e, no domingo seguinte, o SBT transmitiu o episódio, rs

Só entendi a importância cultural do Chespirito depois que cresci. Já tinha todos os episódios decorados quando comecei a estudar comunicação, e parei para perceber e tentar entender porque o Chaves se tornou um coringa da emissora de Silvio Santos, sendo líder de audiência em qualquer horário que fosse reprisado. No Brasil, são 30 anos com um programa que é insistentemente transmitido, com as mesmas piadas, simples e até bobas, e que oferecem um humor singelo e sem esforço, para quem estiver disposto a rir com um texto que não prima por ser genial - e acaba sendo exatamente por isso. Crianças, adolescentes e adultos dividem a admiração por essas piadas despretensiosas.

Roberto Gómez Bolaños conseguiu três grandes proezas, na minha opinião:
1) Fez humor com a história de uma criança órfã, moradora de rua, que vivia com fome. Estava longe de todos os protagonistas "possíveis", e com ele deu lições de solidariedade, amizade, otimismo.


Seu Madruga: "você não deveria ter vergonha de ser pobre, Chaves"
Chaves: "Isso não me dá vergonha"
Seu Madruga: "Te dá o que, então?"
Chaves: "Me dá coragem!"

2) Criou um super herói que, na contramão de todos os outros, tem medo como nós, é atrapalhado como nós (ou ao menos como eu, rs), e ainda assim era considerado "herói".

3) Escreveu episódios - tanto em Chaves quanto em Chapolin - que de tão simples se tornam parte da nossa vida. Os atores do seriado, convenhamos, não eram os melhores e muitas vezes beiravam o tosco, o pastelão. Mas o texto segue uma sequência tão boa que nos faz sempre querer ver a próxima cena.


Conversa de agosto de 2013 que resgatei no meu whatsapp
Chaves, Chiquinha, Quico, Seu Madruga, Dona Florinda, Dona Clotilde, Seu Barriga, Nhonho, Godines, Professor Girafales, Jaiminho, Paty, Popis, Dona Neves... Chapolin, Dr Chapatin, Super Sam, Seu Mundinho, Tripa Seca, Quase Nada... quantas vezes foram meus companheiros de almoço, logo depois da escola. Bolaños escreveu cada um desses personagens, pensando em detalhes desde o chapéu do Seu Madruga, que seria jogado no chão a cada tapa de Dona Florinda, até o casaco enrolado da Chiquinha ou a eterna busca do Quico pela sua bola quadrada.

Companhia na minha estante :)

Chespirito também compôs todas as músicas do seriado, incluindo a inspiração em "Good Night", dos Beatles, na "Boa noite vizinhança", do episódio Chaves em Acapulco. Nos presenteou ainda com Napoleão, Cleópatra, Branca de Neve e seus sete anões (tchuin tchuin tchunclain), a Simples Camponesa de Nobre Coração que vai todos os dias ao bosque recolher lenha, o tal Xirrim Xirriom do Diabo (morria de medo), entre tantos outros.

Por tudo isso, arrisco dizer que ele conseguiu o que seu personagem, Chaves, diz ao brincar com o Quico: "Eu prefiro morrer do que perder a vida". Foi-se Bolaños, o mestre, que se manteve humilde e se considerando "não-merecedor" de tanto sucesso e carinho até os últimos momentos. Ficam todas as suas criações, que são nossos amigos de infância, companheiros de manhãs, tardes, noites. E se tornaram como que parte da família, sem que nós ao menos pudéssemos perceber. Deve ser por isso que a notícia da última sexta-feira tenha me abalado mais do que um dia imaginei que abalaria.


Quem conversa frequentemente comigo, certamente já me viu fazer alguma referência ao texto do Chaves ou Chapolin. Faço sem ao menos me dar conta... Meio que sem perceber, Bolaños sempre se manteve na minha vida. Na camiseta com a estampa dele imitando aquela clássica de Che Guevara (dizendo "Hasta la vitoria, sin querer queriendo"), nos bonequinhos do McDonalds que juntei já adulta, nas aulas de espanhol em que eu sofria pra entender os diálogos rápidos, no bonequinho de artesanato que meu irmão me deu uns três meses atrás. E assim continuará sendo. :)





"Prometemos desperdirmos sem dizer adeus jamais"


Obrigada, Bolaños.
❤️




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