10 de julho de 2009

Laços Femininos

Ana Elisa Santana
Especial para o Correio


Joana, uma mulher inquieta e criativa, foi a primeira personagem de Clarice Lispector que Beth Goulart conheceu. No auge da adolescência, ao ler Perto do coração selvagem, romance de estreia da autora, a identificação foi inevitável. “Eu também acho que não sou compreendida. O que vou fazer com isso tudo dentro de mim, com esse processo criativo maluco?”, confessa Beth.

Depois de Joana, vieram outras mulheres na escrita de Clarice. Entre elas, está Ana, do conto Amor, que leva uma vida simples, dedicada ao marido e aos filhos, e tem a rotina quebrada ao se impressionar com um homem cego, que masca chicletes na rua. Lóri, da obra Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres, é uma professora primária que mora sozinha e se prepara para descobrir o amor. Há ainda outra mulher sem nome, que, no conto Perdoando Deus, se deixa mergulhar na liberdade enquanto passeia por Copacabana.

Essas quatro mulheres, que, para Beth, “representam algumas facetas da própria Clarice”, foram escolhidas para apresentar ao público a obra de um dos maiores nomes da literatura brasileira. Em Simplesmente eu. Clarice Lispector, espetáculo que tem estreia nacional nesta sexta, no Centro Cultural Banco do Brasil, às 21h, a atriz interpreta, mais do que a escritora e suas personagens, fragmentos que reconhece em si mesma: “Usando as palavras dela, eu também estou falando de mim”.

Na peça, Beth faz reflexões sobre temas como criação, vida e morte, Deus, cotidiano, solidão, arte, loucura, aceitação e entendimento e trabalha pontos característicos da obra de Lispector, como o vazio, o silêncio e o instante-já, “aquele momento único, que é como um flash”, explica a atriz.

Para o monólogo, que ela também dirige, passou os últimos dois anos mergulhada em longa pesquisa. A narrativa se constrói a partir de trechos de entrevistas, depoimentos e correspondências. Segundo Beth, toda essa ligação se dá por uma única linha: o amor. “Ela falava sobre o amor maternal, o do relacionamento, o amor a Deus, à natureza, ao próximo. Escolhi esse viés para apresentá-la ao público.”

Para a atriz, representar Clarice Lispector é realizar um antigo desejo. “Eu sempre acalentei essa vontade de um dia poder dar meu corpo, minha voz, minhas emoções para colocá-la viva em cena.” A caracterização foi feita de forma cuidadosa. Detalhes como a maquiagem ganharam tratamento especial de Beth Goulart, que optou por um caminho neutro para passear livremente pela pele das personagens e da autora. “O espetáculo todo é como se fosse uma grande folha em branco a ser escrita por esses personagens, pelos movimentos, pelas ações, pela luz.” Na produção, parceiros como Amir Haddad, na supervisão de direção, e Alfredo Sertã, na trilha sonora.


Matéria publicada no Correio Braziliense desta sexta. :)

2 comentários :

Anônimo disse...

Ana, ficou moooooito boa essa reportagem! Parabéns!

Marcus

Ana Rita Gondim disse...

Ótima matéria, ótimo espetáculo! :-) Beijo grande!